quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Adeus, meu amor, logo nos desconheceremos. Mudaremos os cabelos, amansaremos as feições, apagarei seus gostos e suas músicas. Vamos envelhecer pelas mãos. Não andarei segurando os bolsos de trás de suas calças. Tropeçarei sozinho em meus suspiros, procurando me equilibrar perto das paredes. Esquecerei suas taras, suas vontades, os segredos de família. Riscarei o nosso trajeto do mapa. Farei amizade com seus inimigos. Sua bolsa não se derramará sobre a cadeira. Não poderei me gabar da rapidez em abrir seu sutiã. Vou tirar a barba, falar mais baixo, fazer sinal da cruz ao passar por igrejas e cemitérios. Passarei em branco pelos aniversários de meus pais, já que sempre me avisava. O mar cobrirá o desenho das quadras no inverno. As pombas sentirão mais fome nas praças. Perderei a seqüência de sua manhã - você colocava os brincos por último. Meus dias serão mais curtos sem seus ouvidos. Não acharei minha esperança nas gavetas das meias. Seus dentes estarão mais colados, mais trincados, menos soltos pela língua. Ficarei com raiva de seu conformismo. Perderei o tempo de sua risada. A dor será uma amizade fiel e estranha. Não perceberei seus quilos a mais, seus quilos a menos, sua vontade de nadar na cama ao se espreguiçar. Vou cumprimentá-la com as sobrancelhas e não terei apetite para dizer coisa alguma. Não olharei para trás, para não prometer a volta. Não olharei para os lados, para não ameaçá-la com a dúvida. Adeus, meu amor, a vida não nos pretende eternos. Haverá a sensação de residir numa cidade extinta, de cuidar dos escombros para levantar a nova casa. Adeus, meu amor. Não faremos mais briga em supermercado, nem festa ao comprar um livro. Não puxaremos assunto com os garçons. Não receberemos elogios de estranhos sobre nossas afinidades. Não tocaremos os pés de madrugada. Não tocaremos os braços nos filmes. Não trocaremos de lado ao acordar. Não dividiremos o jornal em cadernos. Não olharemos as vitrines em busca de presentes. O celular permanecerá desligado. Nunca descobriremos ao certo o que nos impediu, quem desistiu primeiro, quem não teve paciência de compreender. Só os ossos têm paciência, meu amor, não a carne, com ânsias de se completar. Não encontrará vestígios de minha passagem no futuro. Abandonará de repente meu telefone. Na primeira recaída, procurará o número na agenda. Não estava em sua agenda. Não se anota amores na agenda. Na segunda recaída, perguntará o que faço aos conhecidos. As demais recaídas serão como soluços depois de tomar muita água. Adeus, meu amor. Terá filhos com outros homens. Terá insônia com outros homens. Desviará de assunto ao escutar meu nome. Adeus, meu amor.
Fabrício Carpinejar

Sim, ele era encrenca, das boas. Eu sabia o que estava fazendo, ele também: estávamos fazendo uma coisa errada. Mas gostei da luz, dos olhos dele. Gostei que estava me encantando, gostei de não poder me encantar e mesmo assim estar me encantando.

Tati Bernardi

sábado, 3 de janeiro de 2015


Dentro de mim mora um grito.
De noite, ele sai com suas garras, à caça
De algo pra amar.

Sylvia Plath
Quando acordei esta manhã no quarto úmido e escuro, ouvindo o tamborilar da chuva por todos os lados, tive a impressão de que havia sarado. Estava curada das palpitações no coração que me atormentaram nos últimos dois dias, praticamente impedindo que eu lesse, pensasse ou mesmo levasse a mão ao peito. Um pássaro alucinado se debatia lá dentro, preso na gaiola de osso, disposto a rompê-lo e sair, sacudindo meu corpo inteiro a cada tentativa. Senti vontade de golpear meu coração, arrancá-lo para deter aquela pulsação ridícula que parecia querer saltar do meu coração e sair pelo mundo, seguindo seu próprio rumo. Deitada, com a mão entre os seios, alegrei-me por acordar e sentir a batida tranquila, ritmada e quase imperceptível de meu coração em repouso. Levantei-me, esperando a cada momento ser novamente atormentada, mas isso não ocorreu. Desde que acordei estou em paz.
Sylvia Plath

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014




Quero pão novo
Pouca conversa
Uma casa aberta
Um ótimo vinho
Flores do campo
Banho quentinho
Uma sobremesa
Um atrevimento
Dedicação
Muito carinho
Derretimentos
Pra compensar.♪

Vanessa da Mata 

domingo, 5 de janeiro de 2014


Mortal Loucura
Gregório de Matos

Caetano Veloso
Na oração, que desaterra … a terra,
Quer Deus que a quem está o cuidado … dado,
Pregue que a vida é emprestado … estado,
Mistérios mil que desenterra … enterra.

Quem não cuida de si, que é terra, … erra,
Que o alto Rei, por afamado … amado,
É quem lhe assiste ao desvelado … lado,
Da morte ao ar não desaferra, … aferra.

Quem do mundo a mortal loucura … cura,
A vontade de Deus sagrada … agrada
Firmar-lhe a vida em atadura … dura.

O voz zelosa, que dobrada … brada,
Já sei que a flor da formosura, … usura,
Será no fim dessa jornada … nada.


sábado, 4 de janeiro de 2014


“O maior suspense não vem das histórias de terror, mas dos contos de amor” - Carpinejar
O amor é o tema do meu próximo solo. Alguns dirão: ué, mas você não fala disso nos outros três? Sim, falo. Mas de forma indireta. Ou não apenas sobre. No próximo, o questionamento é única e diretamente sobre isso que chamamos de Amor. O autor do tal questionamento é o Carpinejar.
Abaixo algumas de suas questões. Alguém responde/retruca/discorda?
1 – Total contradição do amor: queremos conhecer quem amamos e, ao mesmo tempo, desejamos que seja imprevisível.
2 – Somos cruéis somente com que a gente tem a certeza que nos ama.
3 – A covardia no amor é a pior traição
4 – Amor verdadeiro é redundância. Ou é amor ou é nada.
5 – O amor não é para equilibrados. Não somos feito para nos encaixar, mas para arrebentar as caixas.
6 – O amor é desencontro por dentro.
7 – Ou se acerta de primeira para sempre ou não existe reedição. Amor hoje só tem primeira impressão.
8 – Quanto mais generoso o amor, mas o outro se sente pressionado.
9 – No amor, em algum momento você terá que ser ingênuo e acreditar. Terá que largar uma vida, refazer sua vida.
10 – Mais fácil se perdoar por não ter sido amado do que por perder um amor.
11 – A paixão é a própria negação da realidade.
12 – O Amor não dá a última chance. Dá chance sempre.
13 – Amar não é fazer as vontades do outro, é desfazer as nossas vontades.
14 – Não quero alma gêmea. Isso é incesto.
15 – Na separação, descobrimos se foi amor ou investimento. No 1° chora-se o tempo que não foi vivido. No 2° chora-se o tempo desperdiçado.


Fabrício Carpinejar





Meu maior medo é viver sozinho e não ter fé para receber um mundo diferente e não ter paz para se despedir. Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão dos garçons. Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais branda. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e me calar para não parecer estranho e anti-social. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que antes. Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinho. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior medo é a expectativa de dar certo na família, que não me deixa ao menos dar errado. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a metade do rosto que não alcanço. Meu maior medo é escrever para não pensar
(trecho de Pais e filhos maridos e esposas II)
Fabrício Carpinejar

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013



- Como cê tá?
- Cê tá legal?
- Como cê vai?
- Cê vai também?
- Cê tá melhor?
- Cê tá em paz?
- Tá tudo bem?

E o que que a gente faz daquela angústia?
- Heim?
E se um dia precisar
De alguém pra desabar
Eu tô por aí...♪


(Cícero - Frevo Por Acaso)


Se você não estiver amando
Deixa a gente amanhecer...



Se você não estiver olhando
Deixa eu só olhar você...





Mas se o tempo der
Posso avarandar seu tédio...



(Cícero - Por Botafogo)



A vida é tão simples que ninguém entende.

MIA COUTO

No livro "Mar me quer"